domingo, 6 de dezembro de 2020

CONTO DE NATAL 2

O GRINCH TRABALHA NAS FINANÇAS 


Esta é uma linda história, daquelas que podemos partilhar à mesa da Ceia de Natal.

Em 2015, a minha filha fez um trabalho em part-time  e passou um recibo verde. Na altura devida, foi fazer o pagamento do IVA às Finanças. Como se atrasou dois dias em relação à data, teve que pagar uma “pequena” multa no valor de 52 euros. 

Nesse dia eu expliquei-lhe o que eram juros usurários e ela questionou, de forma pertinente, se a usura é crime como é possível que o Estado o faça de forma impune com os contribuintes deste “belo país à beira-mar plantado"?

Encolhi os ombros e, contrariada, tive que lhe mostrar um unilateral ponto de vista económico (o dos cobradores do “dízimo"), utilizando, a título de exemplo, a ligação desnivelada dos trabalhadores com a máquina fiscal do Estado, sempre tão bem oleada. Tal como eu e os restantes portugueses, ela ficou sem perceber os critérios de tratamento para com os cidadãos e para com os Cidadãos.

Longe estava eu de sonhar que no execrável ano de 2020, a poucos dias do Natal, a minha filha me telefonaria do seu emprego, sentindo-se envergonhada porque o seu patrão lhe disse que recebeu uma notificação para lhe penhorar o salário. 

Tentei ficar calma e acalmá-la mas, qual não foi o meu espanto, quando descobri que o pagamento da coima não foi considerado (não se sabe porquê) e ela estava devedora de 139 euros a esta instituição estatal. 

Solução: pagar primeiro e reclamar depois. 

Conclusão: ela recebeu uns míseros 123 euros como salário do mês de Dezembro, fruto de vários dias sem trabalhar devido às condicionantes impostas pela pandemia mas pagou uma coima no valor total de 193 euros, muito mais do que o valor do IVA inicial. Considerei esta atitude muito didática para uma jovem que começa agora a sua atividade de contribuinte e da qual não irá livrar-se até,  pelo menos, aos 65 anos. Ela passou a perceber, também, porque é  que tantos tentam “fugir ao fisco". O próprio Estado incentiva esta fuga quando se dá ao trabalho de penhorar um salário já de si miserável, qual Mr. Grinch disposto a acabar com o nosso Natal.

No entanto, esta situação é recorrente e já todos fomos vítimas destes erros do sistema ou conhecemos alguém que o foi.

E até nem seria uma coisa do outro mundo se nós não nos encontrássemos já sobejamente fustigados com a falta de dinheiro, o desemprego e a instabilidade causada pela pandemia que insiste em não nos deixar, criando um enorme cansaço devido a esta luta desigual e injusta.

Se é pedido a todos os portugueses um esforço sobre-humano para que, como um todo, possamos combater as desigualdades sociais que agora se acentuam devido à grave crise causada pela atividade virulenta de um microrganismo,  como é possível que a máquina fiscal do Estado não veja a sua atividade punitiva/ executiva suspensa por tempo indeterminado e de acordo com as dificuldades de cada um.

Foram proibidos os despejos, foram prorrogadas as datas dos pagamentos dos serviços de que usufruímos, apelou-se à baixa das rendas, criaram-se fundos de apoio e uma série de outras resoluções para que as pessoas não se vissem a braços com um desaire financeiro repentino e sobre o qual não têm qualquer responsabilidade. O Estado Paternalista lá foi desempenhando o seu papel, mais ou menos bem, uma vez que nos encontramos todos neste barco à deriva que, sem dúvida,  nos vai trazer muitos mais amargos de boca:

O primeiro através de um inclemente atentado à nossa saúde e ao bem estar da população. 

O  segundo com o implodir de um SNS já de si moribundo há muito tempo. 

O terceiro, com uma gravíssima crise económica para a qual não vejo qualquer solução a curto prazo.

Para mim, esta situação é particularmente perturbadora pois a máquina fiscal é dirigida por um governo de esquerda para o qual contribui com o meu voto. Se isto é a minha esquerda, devo dizer que andam a dar tiros no próprio pé e sim, estão a abrir uma grande autoestrada para que partidos oportunistas e surreais como o do sr. Coiso possam arrancar a grande velocidade e com cada vez mais apoiantes, entretanto, desiludidos com estes desmandos governamentais.

Entretanto, surgem grandes debates sobre o racismo, sobre igualdade de género, sobre a ascensão profissional da Cristina Ferreira ou a legitimidade do  Ljubomir para se manifestar livremente e outros tantos temas que servem para nos embalar e distrair do que é realmente importante. 

Preocupem-se com a pandemia provocada por um vírus resistente e transversal a todos os povos, continentes, ideologias… mais democrático do que este não há e é  ainda um cruel assassino, acima de tudo. Neste caso, sem culpados a quem se possa fazer julgamento justo.

Preocupem-se em não deixar rebentar pelas costuras o nosso Serviço Nacional de Saúde e castigar duramente quem dele tanto precisa e aqueles que lá trabalham com recompensas adiadas ad eternum… haja palmas à janela, pelo menos, é que nós não somos ingratos.

Preocupem-se, já agora, com esses seres estranhos que são os artistas e que sobrevivem sem trabalho há mais de 9 meses, vá-se lá saber como! Não sei se há alguém que pense nisso mas os músicos, os atores, os artistas circenses, os pintores, os artesãos e muitos outros são pessoas que escolheram como forma de vida encantar os outros, trazer alegria a vidas soturnas, mesmo que isso signifique trabalharem, na maioria das vezes, sem rede. O Estado tem uma ténue segurança para lhes oferecer mas, em tempos de crise como agora, tiram a rede debaixo dos pés destes homens e mulheres, sem apelo nem agravo.

É de mau tom, é de um péssimo gosto estar agora a fazer cair penhoras, justas ou injustas, em salários que mal chegam para pagar as despesas mensais.

Penhorem sim mas aqueles que roubaram à séria, cujas contas se encontram em paraísos fiscais. 

Procedam à venda judicial de todos os bens supostamente arrestados a esses a quem a Justiça tarda em chegar, esses que enriqueceram de forma pouco clara, uma grande maioria à custa dos contribuintes e que esse dinheiro sirva para fortalecer os cofres do Estado em vez de penhorarem 138 euros a quem ganha tão miseravelmente.

E, por favor, não me obriguem a deixar de exercer a minha intenção de voto. 

Na minha ideologia de esquerda não há lugar para atitudes de grave injustiça social nem para subserviência para com o capitalismo que nos escraviza e muito menos para demagogias baratas e ocas de sentido e intenção. 

É que de intenções está o Inferno cheio  e o Inferno é aqui e agora.

Festas Felizes, senhores governantes!


segunda-feira, 28 de agosto de 2017

CRÓNICA FEMININA - Correio Sentimental 1


Os meus fieis e leais seguidores devem estar a perguntar-se porque razão fui eu buscar uma publicação dos idos anos 60 para misturar com esta página repleta de temas actuais e fracturantes. Passo a explicar:

Há alguns anos atrás, após o meu 1º divórcio e chegada ao fim a 1ª união de facto, pós 1º divórcio, fui abordada por um vizinho, cuja mulher me fazia sua confidente, que me perguntou qualquer coisa como isto - "Tenho que te pedir um favor... tu tens muita experiência nestas coisas do amor e podias ajudar-me a reconquistar a minha mulher, davas-me uns conselhos...". Ali estava eu, especada no meio da rua, com vontade de fugir, as chaves de casa a queimar-me as mãos, sabendo que bastava ter subido o passeio para me livrar deste embaraço. Pior, estava ainda mal refeita dos meus dois primeiros fracassos amorosos e apenas conseguia pensar - "Só podes estar a gozar? Qual é a parte das separações que tu não percebeste? Experiente no amor? Por favor, se eu fosse experiente estava aqui a ouvir-te?".

Rapidamente, como sempre, aliás, recompus-me e devo ter debitado algumas frases feitas sobre o amor, sem qualquer relação com a minha "alegada" experiência e deixei-o mais reconfortado. Segui o meu caminho, lamentando conhecer o desfecho da sua relação pois a sua mulher já mo havia confidenciado mas eu não tive coragem de lhe partir o coração. Vim a saber mais tarde que estão divorciados (espero que não por causa dos meus conselhos).

Malgré tout, pela minha vida fora fui sendo confidente leal e silenciosa de um sem número de amigos e amigas. Já estou cá há anos suficientes para ter vivido, visto e ouvido todo o tipo de queixas, amuos, discussões, infidelidades, sofrimento, raiva, despeito, incompreensão, desrespeito, etc. Resolvi agora, chegada à idade adulta, partilhar convosco a minha extensa sabedoria nestas andanças do amor e desamor com o sincero intuito de evitar engrossar as filas da Conservatória do Registo Civil ou dos Tribunais de Família com casos extremos (em número e em género) como os meus.
Assim sendo, vamos ao que interessa...

CAPÍTULO I 

Devo "vigiar" a página de Facebook do meu namorado, marido ou ex?


O bom senso e o politicamente correcto obrigam-me a dizer que não, não deve fazê-lo de todo. Uma união deve ter como pilar fundamental a confiança e o respeito mútuos. Se o seu companheiro está consigo, é porque quer e porque gosta realmente de si.
Muito certamente, se ele usar o Facebook para a trair, entenda que não o poderia evitar, simplesmente porque ele fá-lo-ia de qualquer maneira.
E o Facebook é só um caminho, cada um escolhe a maneira de o percorrer mas, grosso modo, as coisas não são assim tão diferentes do nosso dia-a-dia.
Claro que isto é muito bonito empiricamente falando. Na realidade, existe um Sherlock Holmes dentro de cada uma de nós à espera de começar a investigar ao mínimo sinal de alarme. Não conseguimos evitar, está muito presente no nosso código genético esta necessidade de investigar, apurar e extrapolar o comportamento do nosso cônjuge.

Quando recebi os primeiros sinais, comecei uma investigação tão apurada, tão apurada que consegui saber mais da vida das amigas virtuais do meu marido do que ele próprio (contagem de likes, comparação de datas, identificação de perfeitos desconhecidos, de locais e tanto mais). Evidentemente, nada consegui evitar e quando passaram de virtuais a pessoais, não fizeram publicações nem actualizações e eu nem tive tempo de "fechar a sessão" antes do "crash" final.

Informática à parte, já consigo rir-me do ridículo, triste e desnecessário que é andar à "pesca" no Facebook. A realidade é que, enquanto estava ocupada a pescar peixe miúdo em águas virtuais, a rede do meu marido já levava uma boa dose de pescado lá dentro.
Ficou como lição aprendida e decorada!

Bem sei que a nossa curiosidade mórbida nos leva, de tempos a tempos, a dar um passeio pelos perfis de quem já foi tão importante para nós, quanto mais não seja, para ver como estão a sobreviver sem a nossa (in)dispensável presença com a vã esperança de que eles nunca mais encontrem a felicidade com quem quer que seja ou que estejam a sofrer horrores à conta do arrependimento ou que tenham uma companheira mais nova e mais esperta que os faça provar o próprio veneno tão cedo quanto possível.
Se bem pensei, melhor o fiz e encontrei a frase quase infame - "Numa relação".
Rapidamente, o diabinho que vive no meu ombro aconselhou-me a deixar um sem número de comentários pouco elogiosos, repletos do mais perfeito vernáculo tripeiro, até porque ainda somos casados, logo, poderia exercer o meu direito à indignação de modo perfeitamente legal.

Felizmente, veio em meu socorro o meu anjinho do amor-próprio e da auto-estima que me arrancou bruscamente do meu portátil (não sem que antes anotasse mentalmente o nome de cada um dos amigos que fez like na tal publicação como se de uma segunda traição se tratasse). Tive tempo ainda para reparar que o meu futuro ex-marido afirmou não estar comigo há 4 anos, roubando-nos 2 anos de vida em comum!
Ora bolas, quem será o cavalheiro que, durante esse período, comigo partilhou a cama em noites de tórrida paixão, a mesa em jantares feitos por ele e a roupa lavada?

No entanto, as notícias são muito boas para as minhas amigas: ao fim de 2 anos, luto feito, coração refeito, a vida já nos sorri e a memória do casamento já se esfumou há muito, reduzindo a menos que nada aquele que connosco ficaria "na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza até que o Facebook nos separe".



A vossa amiga de sempre


Cristina Magalhães







sábado, 12 de agosto de 2017

PORTUGAL A ARDER!




Aproveito esta muito oportuna frase de Miguel Torga para fazer uma "mea culpa" em meu nome e em nome de todos os meus concidadãos.

Só porque estou furiosa, indignada!





Estes seres misteriosos e repletos de pseudo superioridade que respondem pelo pomposo nome de "governantes da nação" continuam, ad eternum, a fazer de nós pacíficos mentecaptos a quem todas as barbaridades podem ser ditas pois não existe viv´alma que os interpele quando o fazem.

Veio o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, em comunicado oficial, transmitir aos portugueses e portuguesas que o SIRESP (Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal) tem falhas desde a sua adjudicação mas que, uma vez que apenas falta pagar cerca de 80 milhões dos 600 milhões de euros totais, será impensável resolver o contrato pois teria custos muito mais elevados. E nós, ouvimos, calamos e vamos para a praia!

Se a minha operadora de comunicações falhar, eu devolvo o material para reparação, para substituição ou avanço para a devolução, resolvendo o contrato.É assim que funciona o mais básico dos contratos de fornecimento de serviços e dos quais só depende o meu bem estar (não são vidas). Todos nós protestamos nos mais diversos balcões, avançamos com ameaças de processos judiciais na certeza de que estamos a dar por bem empregue o nosso dinheiro. 600 milhões de euros não é dinheiro suficiente?
Este dinheiro é literal e pontualmente arrancado a cada um de nós, contribuintes e não há uma alma que se indigne realmente contra a gestão danosa que todos governos (à esquerda e à direita!) têm vindo a praticar ao longo dos tempos?
Compram-se submarinos, queima-se literalmente dinheiro à conta do SIRESP, são absurdos atrás de absurdos e nós somos heróis da resistência em terras de facebook ou no pão quente mais próximo!
Onde está o nosso exército? Onde estão os nossos aviões? Em que raio de merda é que está a ser gasto o dinheiro dos contribuintes?


Assistimos também a esta palhaçada que é o aproveitamento partidário na atribuição de responsabilidades, como se cada governo tivesse responsabilidade directa no número de incêndios ocorridos durante a sua legislatura. Meus senhores, lamento desapontá-los mas a má gestão dos incêndios, a inexistente atitude preventiva em relação aos mesmos, a péssima gestão de recursos no seu combate, a ausência de preocupação com o ordenamento florestal é transversal a todos os governos desde há muitos anos atrás. E nós sabemos mas vamos para a praia!


Somos o país que tem mais de metade de área ardida de toda a União Europeia e, provavelmente, com menos recursos preventivos ou de socorro. Bora lá celebrar mais este ranking? Não somos famosos apenas pelo futebol ou pela Eurovisão, também somos pelos incêndios e, agora, até pelo número de vítimas!


E mais, todos sabemos como o eucalipto é nocivo, todos sabemos que o eucalipto é mais inflamável do que muitas outras árvores e todos devíamos saber que se trata de uma planta oportunista que desequilibra a nossa flora mas todos sabemos a quem é útil esta plantação desenfreada... celulose, por exemplo, diz alguma coisa?

António Costa teve o azar de ficar com Pedrógão Grande às costas durante a sua legislatura mas nem assim teve "tomates" para resolver o contrato com o SIRESP. Meu senhor, morreram adultos, morreram crianças que dependiam do bom funcionamento desse sistema, que dependiam da protecção do Estado em caso de catástrofe eminente! Não é justa causa para resolução do contrato? Esqueceram-se de acrescentar cláusulas? O SIRESP nós sabemos quanto vale... e as vidas que ficaram em Pedrógão, que valor têm?

E nós, portugueses de brandos costumes, litigantes de merda no Facebook, aplacamos o peso do nosso silêncio, da nossa apatia telefonando para o 760... e sorrindo de alegria e alívio diante da solidariedade demonstrada por nacionais e estrangeiros. Em seguida, vamos para a praia!

Que nunca mais alguma voz se erga contra os nossos bombeiros, heróis voluntários sem nome, atirados para monstros de fogo cuja força desconhecem até ao momento em que se encontram frente a frente, abandonados à sua sorte por um SIRESP qualquer!
São os únicos a merecer grata homenagem por parte de todos os portugueses!
Que Deus vos proteja!


quinta-feira, 1 de junho de 2017

ALICE NO PAÍS DO VICODIN



Qual Alice no País das Maravilhas, tenho vivido, desde 2014, num constante rodopio terapêutico para controlar a dor crónica que me acompanha incansável e diariamente, com algumas "nuances" na sua intensidade (dói menos, dói mais mas dói sempre). Tenho sincera e autêntica dificuldade em responder à pergunta repetida, consulta após consulta, sobre o grau de intensidade da dor, calculada com uma "régua" numerada de 1 a 10. A médica não esconde um sorriso quando eu digo que o máximo que sinto é um 7 ou um 8 porque reservo o 9 e o 10 para as dores que desconheço.

Com o intuito de dar aos pacientes que sofrem de dor crónica algum conforto e alívio, os médicos prescrevem drogas, naturalmente.

E é de drogas que venho falar:

Nunca achei que a liberalização das drogas leves tivesse um efeito significativo na luta contra o tráfico de estupefacientes pois diz-me o bom senso e alguma experiência que existe uma tendência, perigosamente elevada, para escalar esse caminho em direcção a um falso mas muito desejado incremento do prazer. Na maioria dos casos (e a minha geração foi muito fértil nesses acontecimentos), a escalada faz-se num ápice, seguindo-se uma descida aos infernos do vício de uma forma ainda mais veloz.

Tentei, ao longo da minha vida, exceptuando na adolescência (período durante o qual a experimentação era quase obrigatória), manter-me do lado acordado e sem anestesia das barricadas da vida. E consegui, até 2014!!!

Um solavanco na minha saúde fez com que passasse a depender do consumo diário de opióides, em tudo iguais ao infame Vicodin, vício do não menos infame Dr. House. Tento fazer a medicação com um olho aberto e outro fechado. O olho aberto mantém-me alerta para detectar qualquer sintoma, por mínimo que seja, de dependência ou adição. O olho fechado mantém-se fechado porque nem quer saber... desde que a dor diminua!


No entanto, é com grande apreensão que assisto à evolução desta doença, às modificações em mim operadas e ao aumento gradual das doses diárias. Concluí que esta é uma questão de matemática traumática:

Comecei em 2014 a tomar 100 mg./ dia. Em 2017 estou a tomar 300 mg./ dia. Se o tecto máximo são os 500 mg. diários, restam-me 2 anos antes que a medicação deixe de fazer efeito. Lá no horizonte, espreitam os pensos de morfina, os quais evitarei enquanto for humanamente possível.

E é neste momento que se torna essencial a discussão em torno das aplicações terapêuticas da Cannabis, dos prós e contras da sua utilização e do estudo dos seus efeitos adversos ou secundários. 

Tranquiliza-me muito saber que o nosso governo se vai pronunciar a favor da sua despenalização, mais que não seja para não me aturarem aqui no meu blogue, página que, bem sei, será exaustivamente visitada por todos os elementos da Assembleia da República, sem excepção!!!

Pesa ainda mais o facto de vivermos numa imensa nuvem de hipocrisia que permite uma exploração de Cannabis em solo nacional para posterior comercialização no Reino Unido, sob a forma de medicamento a utilizar no alívio de diversas enfermidades, com a devida autorização do Infarmed e direito a uma respeitável publicação no Diário da República.

No entanto, se eu der voz ao meu direito de escolha, terei que ir à Corunha, munida de uma receita arrancada a um qualquer médico espanhol para comprar o Sativex, o Nabilone ou o Marinol, medicamentos legalmente comercializados em diversos países europeus (incluindo na vizinha Espanha, desde 2010) ou nos EUA (onde estão devidamente regulados e aprovados pela FDA) arriscando-me a que, no meu regresso a Portugal, as autoridades me detenham e eu passe a ser "portadora involuntária" de vergonhoso cadastro criminal.

Em qualquer destes países, os estudos comprovam o alívio da dor crónica, melhorias na esclerose múltipla, doença de Parkinson ou epilepsia, actuam também no alívio de náuseas, incluindo as provocadas pela quimioterapia. Também se reconhecem aplicações no combate à obesidade, certos tipos de cancro, doenças inflamatórias e dermatológicas. 
Trata-se de uma espécie de poção mágica com as mais diversas aplicações e, talvez por esse motivo, as grandes empresas farmacêuticas não tenham interesse económico em explorar as potencialidades desta planta pois um só medicamento poderia vir a substituir um sem número de outros.

No que a mim diz respeito, entre usar medicamentos derivados da planta do ópio em comprimidos ("heroína em blister", segundo um farmacêutico com quem falei) ou usar medicamentos derivados da planta da cannabis com os níveis de THC (composto psicoactivo ou "moca") substancialmente reduzidos, optaria certamente pela segunda. Até porque os primeiros provocam náuseas e têm índices de dependência muito elevados pois a tolerância medicamentosa obriga a constantes ajustes, tal como verifico actualmente.

Senhores legisladores: 

Vou ficar a aguardar pela decisão mais coerente mas aviso desde já que não aguento estar sentada muito tempo! E adoro, adoro, adoro a agricultura! :)








quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

MR. TRUMP AND THE TRUMPET´S

Foi com uma imensa e desadequada, porque tardiamente inocente, estupefacção que acordei para o que realmente se está a passar no mundo.
No "meu Facebook", local que frequento, mais ou menos regularmente, desde 2009, li com os meus olhos, com os meus óculos afinados na graduação certa, três exemplos de racismo grosseiro, bacoco e, até hoje, bem disfarçado.
Perguntei-me porquê, porquê agora? O que aconteceu?

E fez-se luz!!!

Aconteceu o Mr. Trump e, a pouco e pouco, vamos assistindo a um crescendo no número de apoiantes que corroboram as suas odiosas teorias. Encarei a sua eleição para presidente dos EUA com um misto de incredulidade e temor. Vejo agora que tinha sérios motivos para isso. As afirmações sexistas e racistas deste senhor já são conhecidas de há algum tempo e a democracia plena dá-lhe o direito de se pronunciar sobre o que quer que seja, ainda que menos politicamente correcto.
Além dos comentários maldosos com que esse senhor sempre nos brindou, sabemos, pelo seu não muito claro passado, que é um homem sem grande educação ou esclarecimento, que trata as mulheres como objectos (as dele e as outras) e que adora o brilho do ouro e dos "brinquedos" de luxo. O que eu não esperava era que os destinos de uma das maiores potências mundiais lhe fossem entregues para ele brincar às presidências com todos os perigos inerentes.
A sua eleição deu origem a que hordas hostis saíssem debaixo das pedras lodosas dos pântanos da intolerância e do ódio, onde habitavam escondidos temendo a Democracia e os Direitos Fundamentais dos seres humanos.
Eis que começam a rastejar pelas redes sociais, sem vergonha nem remorsos, afinando as suas funestas melodias, dignas de verdadeiros Trumpetes que são, atirando frases como: "... voltem para a vossa casa, macacos sem rabo...", "... porque é que estas porcas foram para os EUA? Podiam ter ficado na Arábia..." e ainda "...baboon, cor da merda...", esta última dedicada a um dos meus mais queridos, inteligentes e cultos amigos, cujo sentido de humor invejo, confesso.

Ajudem-me a recordar alguns factos: não foram "brancos" os responsáveis pelo Holocausto? Não foram "brancos" que quase exterminaram as tribos da Amazónia? Não foram "brancos" a escravizar e assassinar diversos povos no continente africano? Não foram "brancos" a reduzir os índios americanos a gado em reservas depois de assassínios em massa?

Parece-me que caminhamos a passos largos para a trivialização da violência, para a banalidade do Mal e, a meu ver, essa é a única diferença real entre nós, seres humanos, irmãos na nossa Criação tão perfeitamente imperfeita, o Bem e o Mal, eterna dualidade que nos dividirá ad eternum.

 Eduquei os meus filhos na generosidade, na solidariedade, no respeito (não tolerância mas respeito) pelos demais, nos valores fundamentais como a amizade, o amor incondicional pelo próximo, os mesmos que eu própria recebi.

Estou verdadeira e sinceramente chocada com estes comentários. Respeito toda a gente mas na minha casa só entra quem eu quero. Posto isto, agradeço a todos e todas que de alguma forma professam estas ideologias que façam o favor de se retirar do meu grupo de amigos...

Eu, ao contrário do Sr. Trump que pretende uma limpeza étnica, tenciono fazer na minha página uma limpeza ÉTICA!






domingo, 29 de maio de 2016

A PSIQUIATRIA AO ALCANCE DE TODOS

Hoje, um qualquer domingo de Maio, acordei com pensamentos mais ou menos profundos sobre o significado e função do meu psiquiatra na minha vida.
Eu sei, há assuntos mais agradáveis e leves para se reflectir enquanto se lê o Público de ontem com a torrada a escorrer manteiga para cima do café acabadinho de coar... sim, coar porque o meu café está isento de tecnologias que lhe roubam toda a carga simbólica de que ele se deve revestir (acredito que é nas nossas memórias que os castanhos e aromáticos grãos conservam o seu sabor).

Não há volta a dar ao assunto, hoje é mesmo psiquiatria e, qual epifania dominical, ocorreu-me que um psiquiatra mais não é do que o espelho do nosso velho roupeiro que não queremos ver, para o qual nos recusamos olhar ao longo da nossa vida (porque nos faz mais baixas ou mais gordas ou mais macilentas).

Nós, comuns mortais, não passamos de um gigantesco roupeiro e cabe ao psiquiatra a dura tarefa de fazer a limpeza a fundo, a cada mudança de estação.
A nossa vida vai ficando dentro do roupeiro e, em vez de fazermos uma limpeza pontual mas rigorosa, vamos atirando lá para dentro o vestido que não serve, o colar que agora é feio, os sapatos vergonhosamente gastos mas que nunca o estão na hora de deitar fora... e aquela carteira? É impensável viver sem ela!.

E assim seguimos pela vida fora, passando pelo exterior e muito rapidamente um paninho, "mais ou menos quente", que nos permita ter a casa "arrumadinha", não vão aparecer visitas de repente.
Nós não sabemos mas o psiquiatra sabe que, quando o roupeiro enche, enche desmesuradamente, havendo sérios riscos de sucumbir ao peso que acumulamos ao longo dos anos.

São caixas e mais caixas que vamos acumulando furiosamente, arquivando, com ou sem datas (que importa?) a caixa dos corações partidos, a caixa das frustrações, a caixa das vergonhas, a caixa da infância, a caixa dos pais, a caixa dos filhos, a caixa da auto-estima, a caixa do auto-conhecimento, a caixa do medo e, usualmente, a maior, mais pesada e mais feia é caixa da culpa, adquirida das mais variadas maneiras ao longo dos anos.

Deste modo, rapidamente, somos conhecidos como heróis, guerreiros, corajosos, capazes de enfrentar qualquer contenda ou desgraça com pontaria certeira e perseverança infindável. E, sim, seguimos a nossa vida com o nariz bem empinado certos de que este é o caminho certo para se estar de bem com a vida, aliás, "se tivermos mais que fazer, não temos tempo para traumas nem para psiquiatras"!


E, um dia, acontece connosco, o roupeiro cede ao peso, espalhando as caixas e respectivos conteúdos pelo chão da nossa vida.

É nesta altura que começamos a ter comportamentos de defesa e pode aparecer o TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo), por exemplo, fazendo com que os talheres fiquem organizados por tamanhos, a roupa arrumada por cores, as almofadas colocadas na ordem devida, os vasos separados milimétricamente, os documentos arquivados por ordem alfabética até ao último papel, todos os dias, vezes sem conta, apenas porque nos recusamos a aceitar que as circunstâncias fugiram do nosso controlo, ou seja, se o armário caiu e ficou tudo desarrumado, estabelece-se a ordem das coisas imutáveis, inertes e possíveis.
A depressão e a ansiedade colam-se a nós como uma segunda pele obrigando-nos a procurar o fácil oásis das medicações miraculosas.


Em segundos passamos a questionar a nossa capacidade de recomeçar, deitando fora o que não presta, o peso-morto, e organizando com sincera aceitação o conteúdo de cada caixa, prometendo a nós próprios manter essa organização. Não só manter como procurar, rever, arejar, estimar e, acima de tudo, saber viver com cada uma delas.

E é precisamente nesta fase que precisamos do nosso psiquiatra para que nos ajude a olhar a nossa carga com um olhar demarcado de emoções porque só assim conseguiremos ser honestos na sua arrumação.

Logicamente, o avançar da idade permite-nos alcançar uma serenidade outrora impossível e, naturalmente, somos empurrados para um difícil e doloroso processo de reconciliação connosco próprios. Este processo de auto-conhecimento e, posteriormente, enamoramento de nós pode ser feito a sós, com um grau de dificuldade elevado ou pode ser feito com o auxílio de um bom psiquiatra e umas boas sessões de psicoterapia, medicação ajustada ou terapias alternativas ou termas ou retiro espiritual, vale tudo desde consigamos alcançar o nosso objectivo.

Tic-tac. tic-tac, o relógio da vida não pára. Façamos de hoje o primeiro e melhor dia das nossas vidas, desta vez, recomeçando sem peso-morto. A nossa felicidade mora em nós e está à espera de ser libertada há tempo demais.

Obrigada, Dr. João e Dra. Isabel









segunda-feira, 23 de maio de 2016

BEATRIZ E AS BARRIGAS DE ALUGUER



"MÃE, mesmo em maiúsculas, palavra tão pequena para um significado tão grande. És a pessoa mais corajosa que eu conheço! Ultrapassaste e ultrapassas um monte de obstáculos, tudo sozinha, nunca deixando de ser a melhor mãe que alguém poderia ter.
A vida não tem sido a melhor para ti, no entanto, é raro o dia em que demonstras algum tipo de fraqueza ou tristeza.
És forte, determinada, optimista, esforçada, inteligente, trabalhadora, culta, protectora e tens um coração que vai daqui até à lua!
Gostava muito de poder tirar de ti tudo o que te provoca sofrimento, preferia mil vezes que fosse eu a passar por isso e peço desculpa se, muitas vezes, não sou a filha que mereces.
Só queria poder tornar-te eterna!

Sempre cuidaste de mim e, quando precisares, vou cuidar de ti.

És a minha Nº1, a minha heroína. E eu nunca vou deixar-te sozinha.

AMO-TE, MELHOR MÃE DO UNIVERSO!" 

Beatriz 
(carta escrita à mão, em papel, sem tecnologias envolvidas, entregue no Dia da Mãe)

É desnecessário dizer o quanto me encheu o coração ler esta carta que juntei a muitas que os meus filhos me foram escrevendo pela vida fora.

No entanto, não consegui deixar de reparar que o amor deles por mim (e o meu por eles) floresce a cada dia que passamos juntos e assim tem sido ao longo destes 20 e 23 anos das suas vidas. Curiosamente, em nenhuma destas cartas foi referido o tempo da gestação ou do parto, pois essa é uma memória que eles não têm.
E vem-me à ideia a história que eu lhes contava sobre o seu nascimento (até muito tarde, diga-se de passagem)... nessa história, eu e o pai deles íamos ao céu falar com Deus para escolher os nossos filhos. O anjo Gabriel aparecia com um grosso livro cheio de fotografias de bebés e nós escolhemos o Tiago primeiro e a Beatriz depois mas deixei sempre claro que eram ambos edições limitadas e exclusivas, escolhidas depois de aturada reflexão e demais deliciosos pormenores que se foram esbatendo no tempo. 

E se assim fosse, tê-los-ia amado menos? 

Claro que não, o amor chega depois, todos os dias da nossa vida.

E, rapidamente, foge-me o pensamento para um dos temas da agenda do nosso executivo governamental, a legislação/ legalização das "barrigas de aluguer".


Eu sei que fui abençoada com um sistema reprodutor saudável que me permitiu levar duas gravidezes a termo com os respectivos partos por via natural.


Também sei que a gravidez é uma fase da nossa vida em que tudo acontece literalmente à volta do nosso umbigo, por dentro e por fora... é inesquecível a primeira vez que ouvimos o coração do nosso bebé a bater... é inesquecível a primeira vez que sentimos os seus movimentos dentro do nosso ventre. 

É, inegavelmente, um período sagrado durante o qual o nosso corpo se transforma num templo de amor e de expectativas. 
Um verdadeiro milagre apenas concedido às mulheres, actualmente, com maior ou menor intervenção masculina.
Cedo ou tarde, a maioria das mulheres escuta com atenção o bater do seu relógio biológico e a maternidade torna-se um sonho recorrente a tornar realidade tão cedo quanto possível.

Para algumas de nós, contudo, tal realidade rapidamente se transforma em pesadelo, sendo inevitável a aceitação ou rejeição da ideia de que não poderemos concretizar esse sonho com base nas mais variadas explicações clínicas. Chegadas a este ponto e exploradas todas as técnicas de fertilização já ao dispor, resta a resignação ou a adopção. 


E é precisamente aqui que surge a questão de alugar uma barriga para transportar o óvulo da futura mãe fertilizado com o espermatozóide do futuro pai durante os mágicos 9 meses mas, por favor, não tenhamos ilusões... é realmente maravilhosa a gravidez quando esta acontece no nosso próprio ventre... as alterações hormonais, o crescimento do peito, o aumento gradual da barriga, o sono, os desejos, os enjôos, só fazem sentido se os sentirmos. 
Na minha cabeça, esta ideia faz tanto sentido como pedir à minha irmã para comer uma barra de chocolate por mim porque eu sou alérgica!?!


Concebo que cada mulher seja livre para fazer o que desejar com o seu próprio corpo mas sem perder de vista a ideia de que essa liberdade tem como limite a identidade dos nossos filhos. Será que é mesmo necessário lembrar que, após um compromisso assumido com a maternidade/ paternidade, não nos é permitido tratar os nossos filhos doutra forma que não seja com o respeito que devemos a qualquer outro ser humano? São nossos filhos, não são o nosso prolongamento! E nada como a sábia definição de Saramago do que é um filho: 


“Filho é um ser que nos foi emprestado para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isso mesmo! Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é expor-se a todo o tipo de dor, principalmente o da incerteza de agir correctamente e do medo de perder algo tão amado. Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo.”

José  Saramago
 Independentemente de todas as questões morais associadas a este tema e que são muitas, o facto de qualquer mulher poder alegar "afecto" mas receber, indevida e ilegalmente, contrapartidas financeiras para o fazer (dando origem a mais uma economia de mercado paralelo) vai transformar a maternidade num produto cuja aquisição dependerá do estatuto económico ou do poder de compra/ aluguer de cada um, quiçá, com direito a benefícios fiscais. 
Por outro lado, estando o nosso país a enfrentar uma situação de grave carência económica (a necessidade aguça o "mau" engenho de cada um), não duvido nem por um segundo, que rapidamente se transformaria a maternidade num florescente nicho de mercado, com lojas e sucursais oferecendo barrigas escolhidas a dedo, com direito a promoções, saldos e cupões de desconto!
Perdoem-me a ironia mas é tão fácil prever uma situação destas. Afinal, não andam os valores morais pelas ruas da amargura?

Voltando à Beatriz, apraz-me dizer que poderiam apresentar-me todas as provas inequívocas de que os meus filhos teriam sido fruto de um erro hospitalar, tendo sido trocados à nascença, que eu jamais trocaria um segundo destes anos passados com eles, por um filho biológico. Pasmem mas a gravidez representa uma parte ínfima no processo de maternidade!

Ser mãe é muito mais, ser mãe é criar, guiar, cuidar, estimar, consolar, educar, transmitindo-lhes os nossos melhores valores, recebendo deles as provas inequívocas do seu amor.
Parir é biológico, é animal e qualquer uma, boa ou má mãe, consegue fazê-lo, infelizmente, em certos casos. Para se ser mãe é que é preciso ter muita competência. E, se tiver competência de mãe, vai saber amar qualquer criança que entre na sua vida com o nome de "Filho". Se tiver competência de mãe, não vai querer que o seu bebé seja gerado por empréstimo numa estranha e confusa relação a três.
São tempos de grandes mudanças, franca evolução e devemos manter-nos abertos às novidades mas eu aposto na razoabilidade e no bom senso. Eu aposto no velho amor incondicional!




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