sábado, 21 de maio de 2016

ENAMORADA DE MIM!

No seguimento dos episódios anteriores da novela do meu descasamento, ocorreu-me hoje o seguinte:

Houvesse tal opção no Facebook e eu alegremente publicaria que estou "numa relação comigo mesma". Ao contrário do que possam pensar, este amor sempre foi por mim contrariado, cheio de altos e baixos, infelizmente, mais baixos do que altos.

Tenho-me acompanhado e sei que mal dou por mim, não me dando grande importância. Tudo o que digo ou faço afigura-se-me insuficiente ou medíocre, criando em mim grandes tormentas internas. No entanto, tenho procurado mais a minha companhia e tento conhecer-me o melhor possível, até porque desejo encontrar desesperadamente uma explicação para tudo aquilo que me destruiu ou não, principalmente, as escolhas, na sua maioria, más.

A partir de uma certa data, ainda por determinar, chamei para mim a responsabilidade de fazer os outros felizes, a responsabilidade de proteger, de amar incondicionalmente, de espalhar sem grandes critérios a minha enorme generosidade, esquecendo o mais importante de tudo e que, para mim, nunca passou de um chavão, cliché ou parte de um já muito ouvido discurso motivacional que é o facto de "nunca colocarmos na mão de terceiros a nossa felicidade".

Posto isto, acabei por me casar, divorciar-me, assumir uma união de facto, separar-me e casar-me outra vez (desta, era para sempre), estando a aguardar o divórcio depois de uma catástrofe emocional avassaladora.
Mas, há sempre um mas na vida, aquilo que parecia o fim, afinal transformou-se em recomeço. E como? - perguntam-me agora.

Imagine-se o seu pior inimigo...
Imagine-se tão inimigo que nem se deixa espaço para respirar...
Imagine-se tão inimigo que os seus ombros desaprendem a descontrair...
Imagine-se com ataques de pânico e ansiedade paralisantes...
Imagine-se em constante luta pelo controle da sua vida e dos que ama...
Imagine-se atingir os 50 anos e não ter a mais pequena ideia de como lidar consigo próprio, com as suas desconhecidas e recentes fragilidades, com uma cruel sensação de impotência...

Isto foi o que fiz a mim própria, anos a fio, com um sorriso bem afivelado na cara, a mesma máscara para todo o sofrimento, a utilizar a meu bel-prazer e nas mais variadas ocasiões...
Telemóvel transformado em prolongamento do braço e da alma, não fosse "o menino ter outra crise de epilepsia", ao longo de 23 anos, numa média de 1 ou 2 por semana, alerta silencioso e constante, dia e noite, ano após ano.
E a mamã e a irmã e o irmão (para sempre perdido para o álcool) e o pai e a família e os amigos e os amantes e os namorados. Quem julguei eu que era? Que soberba foi esta de achar que teria que representar Deus? De achar que o mundo iria ruir no dia em que eu não me apresentasse ao "trabalho" de me dar a quem me rodeava?

Acrescentem a esta hercúlea tarefa, o dia a dia de qualquer mulher que toma nas suas mãos a responsabilidade de trabalhar, ganhar dinheiro (pouco e muito), criar filhos, curar doenças, tratar da casa, ser enfermeira, gestora, educadora, advogada, confidente, esposa dedicada, amante competente e mais, muito mais... desentupi canos, fiz instalações eléctricas, usei o berbequim como se de um bastidor de bordados se tratasse, pintora de paredes, costureira, condutora exímia de carros, carrinhas, furgões e camiões. Não havia montanha que não subisse de bom grado e a minha arrogância ia tão longe que dizia com muito orgulho: "Não há nada que não faça e, quanto mais difícil for a tarefa, mais empenho lhe dedico". Rapidamente me viciei em adrenalina, remédio mágico para quem se recusa a ouvir a si próprio.



De repente, começo a falhar, física e psicologicamente, o corpo dá sinais inequívocos de exaustão, transformada em doença auto-imune que mais não é do que o organismo a iniciar um ataque, mais ou menos, brutal contra si mesmo. E não foi isso que eu fiz sempre? A única diferença é a inversão da agressão: dantes agredia-me de fora para dentro executando ordens minhas, agora, é de dentro para fora e sem a minha intervenção.

O que me resta? A minha clarividência, a minha inteligência e a minha aceitação. Afinal, sempre terei que ir ao fundo de mim própria, aos esconderijos secretos onde fui acumulando as mágoas num gigantesco arquivo morto e, como se de um computador se tratasse, optimizar o meu desempenho através da eliminação de programas, pastas e ficheiros não utilizados há tempo demais.

Gostar de mim é a palavra-chave, aceitar-me, aceitar o que fiz e o que deixei fazer... abraçar o meu passado para viver em paz o presente e ganhar esperança no futuro. A fórmula parece simples, assim eu consiga pô-la em prática.
Fundamental neste processo, foi esta derradeira estocada do homem que pensei meu marido. A estupefacção, a decepção e o choque, fizeram com que se tornasse muito agradável este contacto comigo própria e entendo ser uma relação para manter a longo termo.
Sou uma pessoa agradável, bem educada, com formação, inteligente, simpática e charmosa (isto obedece a mentalização para me habituar a ser cortês comigo própria - não é presunção, juro!)
O aspecto exterior ainda mantém algum encanto, com a vantagem de aceitar incondicionalmente o passar dos anos e, por isso, julgo estarem reunidas as condições para dar início a esta relação comigo própria!





E, como não poderia faltar um dos meus comentários jocosos, imagino que estejam a perguntar-se:
"Está tudo muito bem, um discurso muito bem elaborado, cheio de boas intenções mas o sexo, que é bom, como é?"
E eu respondo de forma brilhante e iluminada, dando origem a um sentido adágio popular:

Mais vale um amigo a pilhas do que um inimigo a pila! (pardon my french)

2 comentários:

  1. Bem escrito , claro e se me permite , com tal clarividência de espirito não acho que viva nas " tormentas " um abraço e bem-haja pela partilha ...

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  2. Muito obrigada, Luís. A minha clarividência sempre me permitiu encarar a vida com optimismo, malgré tout. Por isso, sim, sinto-me bem a maioria das vezes e tudo o que vivi e ainda virei a viver, fez e faz de mim quem sou, é a minha história escrita e por escrever. Bem-haja pelas suas palavras. Abraço

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