segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O SEGREDO (DE BEM VIVER)

Nestes últimos tempos, tenho estado sujeita a algumas provações que interferiram directamente com a minha inspiração e humilde habilidade literária, privando, assim, o mundo inteiro da enriquecedora verborreia com que o brindo, de tempos a tempos.
Passo a traduzir, não vos chateio há algum tempo com os meus pensamentos porque tenho andado com uma dores do catano (caberia aqui o vernáculo tripeiro na perfeição!).

Hoje, no entanto, talvez ainda inebriada pelos inspiradores sentimentos que esta época nos suscita, resolvi trazer à luz do dia um tema muito sério: o segredo de bem viver a vida que temos e não a vida que sonhamos...
Acompanhada pelo Adágio de Albinoni, tudo me parece certo e sorrio diante de pequenos milagres que todos os dias nos acontecem e continuamente ignoramos, os pequenos grandes nadas do nosso dia a dia.

Recordo as palavras que dirigi ao meu psiquiatra na última consulta, na tentativa vã de o iludir, invertendo ingenuamente os papéis: "Vai correr tudo bem, eu consigo, eu vou conseguir!". Como sempre, ele esboçou um enigmático sorriso e nada disse.

E aqui estou eu, ora cheia de drogas, ora cheia de dores, tentando encontrar um sentido para a minha vida. Abalada pela abrupta deserção do meu marido, num estado de derrapagem financeira iminente, sentindo-me impotente dentro do meu corpo já tão massacrado, com o pensamento na doença do meu filho que teima em não o abandonar, preocupada com o futuro da minha filha, temendo transmitir-lhe as minhas apreensões, dando espaço à minha mãe, tão abandonada por mim, levando ao colo as suas maleitas, o Alzheimer do marido, o alcoolismo do filho, as preocupações das filhas e dos netos e sempre, sempre  junto da minha irmã, reunindo histórias sem fim que fariam chorar as pedras da calçada mais antiga...

E procuro um sentido para tudo isto, sendo que o mais simples, mais fácil e mais utilizado (talvez porque o visado não pode defender-se) é o comum: "Porquê eu, Meu Deus? Porquê eu? Que mais tens Tu reservado para mim? Que mal Te fiz eu?"

Ora, Deus tem mais que fazer do que inventar desgraças e maleitas para atribuir a cada um de nós, qual Crime e Castigo de Dostoievski. No limite, Deus fez o favor de nos criar dotando-nos de livre arbítrio para podermos fazer as nossas escolhas ao longo da vida. Dotou-nos ainda de resistência e resiliência para podermos suportar os imprevistos e os resultados das más escolhas. Dotou-nos de força de vontade para ultrapassarmos as dificuldades. Deus, para quem acredita nesta versão, deu-nos muito mais do que nós conseguiremos compreender ao longo da nossa vida.


A culpa é nossa se não sabemos apreciar a vida, tal e qual ela é...
Se o meu marido foi, agora, cruel e injusto, antes disso, proporcionou-me momentos de enorme felicidade e prazer. Porque não valorizar esse período?
Se agora estou doente, já estive saudável e vivi plenamente todos os bons momentos que surgiram. Porque não focar-me nesse tempo?
Apesar da doença do meu filho, pude viver bem perto dele e vi-o feliz tantas vezes que nem me lembro. É aí que a minha memória deve residir.
Apesar de todos os pesares, os meus filhos estão ao meu lado e devolvem-me todos os dias todo o amor que lhes dediquei. Não é isto mais importante do que tudo?
Tenho amigos a quem não dou a devida atenção apesar de, numa dada época, ter passado momentos muito felizes com eles. Porque não recordá-los mais vezes?
E os amigos virtuais? Alguns conseguiram ultrapassar a barreira tecnológica e fazer-me sentir realmente estimada.
O calor do amor da minha mãe, da minha irmã, dos meus filhos, dos meus sobrinhos e de tantos mais que não caberiam aqui. Não é amor bastante?
A casa aconchegante, o conforto, o meu sofá, as minhas pantufas, as minhas queridas plantas, a música, os livros, o calor, o meu ninho, o sentido de família levado ao limite, a partilha, a generosidade, a alegria, as conversas e a certeza... ah, essa certeza boa de que deixo aos meus filhos a melhor herança de todas: que saibam apreciar o prazer que se encerra na generosidade, na partilha, na empatia, no cuidado, no carinho!

O grande segredo da vida consiste na ausência de segredo.

Todos sabemos que a vida é um contrato a termo certo, todos sabemos que o tempo de que dispomos é efémero.
Não querendo parecer um guru motivacional (dos quais seria vergonhosa representante), hoje, mais do que nunca, apenas peço mais um dia com a esperança de que possa vir a ser melhor. Cada dia pode ser uma página em branco que podemos preencher ou não. Mais do que nunca, Carpe Diem faz todo o sentido para mim.

E pronto, por hoje não vos incomodo mais. Deixo-vos desejando um enorme Carpe Diem para todos!











2 comentários:

  1. Muito bom Cristina. Como vê podemos canalizar o nosso sofrimento, numa escrita tão fluída e reconfortante. Apesar dos nossos problemas físicos aliados aos dos que nos são muito queridos, ainda existe uma luz ao fundo do túnel para nos confortar. Minha querida, a nossa caminhada é assim cheia de altos e baixos, mesmo assim nunca desistir. Obrigada por este momento eloquente de leitura mil beijinhos. E aborreça-nos muitas vezes, eu gosto.🌹

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