Abandonei, por momentos, a minha habitual bonomia e arrastei-me para uma frieza ou entorpecimento emocional, provocado, talvez, pelo uso excessivo de analgésicos que me faz apreciar o que me rodeia com um distanciamento que não me é muito familiar.
Vem isto a propósito da minha falta de comentários às últimas imagens dos refugiados, particularmente, a de um bebé, um inocente, o mais inocente, que jaz abandonado pelos adultos, pelo povo, pela Humanidade, numa qualquer praia transformada num oásis de liberdade, paz e pão para ele e para os seus.
Provocou esta imagem em nós, um natural e justificado repúdio, horror, aflição e, no fundo bem fundo, remorso. Esta imagem tomou a forma de um gigantesco espelho onde vemos reflectida a feiúra da nossa indiferença, do modo desalmado com que seguimos com as nossas vidas todos os dias, todos os meses, todos os anos. Evitamos as imagens dos massacres e de mortes provocadas por guerras sem fim, dos corpos de outras crianças que jazem noutros locais e que duram o tempo que dura uma notícia qualquer.
Que vergonha para todos nós! É necessário a divulgação de uma fotografia digna de um Prémio Pullitzer, para nos lembrar da realidade para além dos nossos quintais, das eleições, da UE, da Merkel, do Passos Coelho, do preço do petróleo.
Que horror passaram estas pessoas antes das fotografias o testemunharem? Não éramos nós sabedores do conflito? O que foi feito ou o que poderia ter sido feito? As nossas calejadas e carregadas consciências já não conseguem atingir este horror, esta indignidade.
Não partilho esta fotografia, não porque vá manchar o mundo simpático do meu mural mas por respeito a esse bebé e a todas as vítimas de violência, seja ela qual for.
No entanto, não posso deixar de tecer alguns comentários porque sou um ser pensante, sensível à terrível (des)humanidade que deixamos crescer em nós. Talvez seja necessário ser desumano para ser humano, por paradoxal que possa parecer. Talvez a crueldade exista para que descubramos a beleza da solidariedade, do amor ao próximo.
Por outro lado, temos o Estado Islâmico, expoente máximo da intolerância, do ódio em nome de Deus ou Alá. Exércitos doutrinados desde o berço com miras apontadas aos infiéis que somos nós. É esta mesma doutrina que provoca a fuga em massa de vítimas da guerra para outros continentes, florescentes e promissores. Animais acossados, fugindo de horrores, mergulhados no limiar morte, da fome, da dignidade num desespero que não conseguimos quantificar.
E é aqui que surge o verdadeiro choque para mim, numa pequena nota de rodapé dando conta que um número indeterminado de cristãos foram atirados ao mar, engrossando o já de si grande número de vítimas do Exército de Alá!
Perdoem-me se não consigo conceber que as mesmas pessoas que apelam à solidariedade, ao respeito pela sua cultura, à tolerância... as pessoas que vêm trazidas em barcos e botes fedendo a morte... as pessoas que conheceram o Mal em toda a sua essência... sejam as mesmas pessoas que atiraram um número indeterminado de cristãos borda fora, em nome de Deus! Que não aceitem comida para os próprios filhos que lhes é oferecida com uma cruz, em nome de Deus!
Perdoem-me se não compreendo que se peça auxílio com a mão direita, em nome de Deus e que se mate com a mão esquerda, em nome do mesmo Deus!
Perdoem-me se temo este ódio tão grande, maior do que o amor aos filhos, maior do que o medo de perder a vida, este ódio maior do que tudo e do qual se alimentam desde que nascem!
Felizmente, nasci no seio de um povo natural e ancestralmente solidário e hospitaleiro, fazemos o bem sem olhar a quem... a quem?
A quem continua a gritar "Morte aos infiéis!"
O verdadeiro Adamastor da humanidade é o ódio, o único capaz de nos transformar em seres execráveis em poucos segundos... o ódio, o pai de todas as guerras, de todas as atrocidades. Sim, pela primeira vez na minha vida temo que a nossa tolerância nos vá sair muito cara!
Fui politicamente incorrecta? Talvez mas também fiz uso daquele que ainda é um direito fundamental que é o direito de expressão!
sábado, 5 de setembro de 2015
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