terça-feira, 29 de dezembro de 2015

A LEI DO PIROPO OU SOU EU QUE ESTOU DOIDA?

Uma nova lei surgiu no horizonte do sistema judicial português.
Congratulo-me, verdadeiramente, por saber que a nossa Justiça funciona na perfeição e, na ausência de atrasos de monta nos tribunais portugueses, lá arranjamos uma lei para proteger as desvalidas e frágeis mulheres dos infames piropos, elevando ao infinito o número de casos a ser arbitrados, julgados e penalizados, uma vez que o assédio sexual já se encontra devidamente legislado.

Fico muito feliz, ainda, por saber que as nossas prisões dispõem de espaço e condições para receber um sem número de energúmenos que vivem na criminalidade visual, dirigindo perigosos e agressivos piropos, sendo certo que, a exemplo dos outros reclusos, sairão devidamente reabilitados e não mais levantarão os olhos na rua, sob pena de serem injustamente acusados de "piropédio" sexual.

Vocês devem estar a gozar-me... só pode!

Todos os dias, todos os dias sem excepção, surgem notícias de agressões e homicídios perpretados contra mulheres, maioritariamente, pelos maridos, namorados ou familiares. Quase todos os dias, lidamos com crimes hediondos contra crianças e jovens. A nossa Justiça revela-se impotente para resolver estes casos com a celeridade necessária e com a mão pesada que tais crimes merecem.

Se quiserem alterar leis, porque não alterar a lei que permite que o marido agressor permaneça na casa da vítima, simplesmente porque paga as despesas?

Alguém pode explicar-me porque é que a nossa legislação fez com que, a determinada altura da minha vida, eu fosse obrigada a fazer uma mala para mim e para os dois filhos, com dois agentes de autoridade junto a mim, enquanto eu colocava soutiens e cuecas dentro de uma única mala e que, por mote próprio, me aconselharam a fugir da minha própria casa para um local seguro porque o agressor/cônjuge tinha direitos sobre a casa (iguais aos meus, por acaso) e não havendo flagrante delito, eles teriam que ir embora.
Onde é que estava o Estado de Direito quando eu tive que desaparecer e o agressor ficou na casa de morada de família?
Onde é que estava o Estado de Direito quando eu fui agredida?
Eu tive uma fuga privilegiada porque podia, eu tive apoio psicológico porque procurei mas e as outras mulheres? Têm mesmo a protecção policial? Têm o mesmo suporte familiar? Não devia o Estado intervir e proteger as cidadãs e os seus filhos?

E porque não aumentar as penas em casos de violência doméstica? Porque não estabelecer a prisão preventiva como medida de coacção única? Porque não obrigar ao afastamento total ou prisão efectiva de todos estes cobardes criminosos em vez de criar abrigos para mulheres vítimas de violência? Somos vítimas e nós é que temos que fugir? Nós é que temos que alterar a rotina dos nossos filhos? Quantas vezes é vítima uma mulher ao longo deste processo?

Devo deduzir que estas mentes legisladoras iluminadas que querem emperrar ainda mais o nosso já lento sistema judicial, consideram legítimo o insulto no seio familiar mas ofensivo o piropo dirigido por um estranho!!!


Ao longo da minha vida, fui alvo de um sem número de piropos e até assédio. Em qualquer das situações, soube comportar-me à altura (a indiferença costuma resultar) e nunca pensei sequer chamar a polícia de cada vez que houvia algo como: "És boa como o milho!" (nunca soube o que o milho tem que ver com isto) ou: "Queres... ou Fazia-te...".
Que raio de mulher seria eu e como me sentiria insultada se tivesse que ter um agente da autoridade a defender-me de uma ridicularia destas. Isto sim, é que denigre a imagem das mulheres, dando-as como seres ineptos e inferiores, incapazes de se defender ou responder à letra quando se sentem incomodadas.

Se ouvi muitos e muitos piropos, foi porque era merecedora de cada um deles! Não mereci foi ser agredida, isso não. Onde estavam as senhoras e senhores legisladores enquanto isso acontecia?

Quero violadores, pedófilos e agressores a apodrecer nas cadeias. Entretenham-se a alterar as medidas de coacção, a duração das penas e uma efectiva aposta na reabilitação do recluso... A legislação actual carece de revisão urgente!




Mas o piropo? Tenham Santa Paciência, isto só pode ser uma anedota de manifesto mau gosto!


Cristina dixit!







segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O SEGREDO (DE BEM VIVER)

Nestes últimos tempos, tenho estado sujeita a algumas provações que interferiram directamente com a minha inspiração e humilde habilidade literária, privando, assim, o mundo inteiro da enriquecedora verborreia com que o brindo, de tempos a tempos.
Passo a traduzir, não vos chateio há algum tempo com os meus pensamentos porque tenho andado com uma dores do catano (caberia aqui o vernáculo tripeiro na perfeição!).

Hoje, no entanto, talvez ainda inebriada pelos inspiradores sentimentos que esta época nos suscita, resolvi trazer à luz do dia um tema muito sério: o segredo de bem viver a vida que temos e não a vida que sonhamos...
Acompanhada pelo Adágio de Albinoni, tudo me parece certo e sorrio diante de pequenos milagres que todos os dias nos acontecem e continuamente ignoramos, os pequenos grandes nadas do nosso dia a dia.

Recordo as palavras que dirigi ao meu psiquiatra na última consulta, na tentativa vã de o iludir, invertendo ingenuamente os papéis: "Vai correr tudo bem, eu consigo, eu vou conseguir!". Como sempre, ele esboçou um enigmático sorriso e nada disse.

E aqui estou eu, ora cheia de drogas, ora cheia de dores, tentando encontrar um sentido para a minha vida. Abalada pela abrupta deserção do meu marido, num estado de derrapagem financeira iminente, sentindo-me impotente dentro do meu corpo já tão massacrado, com o pensamento na doença do meu filho que teima em não o abandonar, preocupada com o futuro da minha filha, temendo transmitir-lhe as minhas apreensões, dando espaço à minha mãe, tão abandonada por mim, levando ao colo as suas maleitas, o Alzheimer do marido, o alcoolismo do filho, as preocupações das filhas e dos netos e sempre, sempre  junto da minha irmã, reunindo histórias sem fim que fariam chorar as pedras da calçada mais antiga...

E procuro um sentido para tudo isto, sendo que o mais simples, mais fácil e mais utilizado (talvez porque o visado não pode defender-se) é o comum: "Porquê eu, Meu Deus? Porquê eu? Que mais tens Tu reservado para mim? Que mal Te fiz eu?"

Ora, Deus tem mais que fazer do que inventar desgraças e maleitas para atribuir a cada um de nós, qual Crime e Castigo de Dostoievski. No limite, Deus fez o favor de nos criar dotando-nos de livre arbítrio para podermos fazer as nossas escolhas ao longo da vida. Dotou-nos ainda de resistência e resiliência para podermos suportar os imprevistos e os resultados das más escolhas. Dotou-nos de força de vontade para ultrapassarmos as dificuldades. Deus, para quem acredita nesta versão, deu-nos muito mais do que nós conseguiremos compreender ao longo da nossa vida.


A culpa é nossa se não sabemos apreciar a vida, tal e qual ela é...
Se o meu marido foi, agora, cruel e injusto, antes disso, proporcionou-me momentos de enorme felicidade e prazer. Porque não valorizar esse período?
Se agora estou doente, já estive saudável e vivi plenamente todos os bons momentos que surgiram. Porque não focar-me nesse tempo?
Apesar da doença do meu filho, pude viver bem perto dele e vi-o feliz tantas vezes que nem me lembro. É aí que a minha memória deve residir.
Apesar de todos os pesares, os meus filhos estão ao meu lado e devolvem-me todos os dias todo o amor que lhes dediquei. Não é isto mais importante do que tudo?
Tenho amigos a quem não dou a devida atenção apesar de, numa dada época, ter passado momentos muito felizes com eles. Porque não recordá-los mais vezes?
E os amigos virtuais? Alguns conseguiram ultrapassar a barreira tecnológica e fazer-me sentir realmente estimada.
O calor do amor da minha mãe, da minha irmã, dos meus filhos, dos meus sobrinhos e de tantos mais que não caberiam aqui. Não é amor bastante?
A casa aconchegante, o conforto, o meu sofá, as minhas pantufas, as minhas queridas plantas, a música, os livros, o calor, o meu ninho, o sentido de família levado ao limite, a partilha, a generosidade, a alegria, as conversas e a certeza... ah, essa certeza boa de que deixo aos meus filhos a melhor herança de todas: que saibam apreciar o prazer que se encerra na generosidade, na partilha, na empatia, no cuidado, no carinho!

O grande segredo da vida consiste na ausência de segredo.

Todos sabemos que a vida é um contrato a termo certo, todos sabemos que o tempo de que dispomos é efémero.
Não querendo parecer um guru motivacional (dos quais seria vergonhosa representante), hoje, mais do que nunca, apenas peço mais um dia com a esperança de que possa vir a ser melhor. Cada dia pode ser uma página em branco que podemos preencher ou não. Mais do que nunca, Carpe Diem faz todo o sentido para mim.

E pronto, por hoje não vos incomodo mais. Deixo-vos desejando um enorme Carpe Diem para todos!











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