domingo, 29 de maio de 2016

A PSIQUIATRIA AO ALCANCE DE TODOS

Hoje, um qualquer domingo de Maio, acordei com pensamentos mais ou menos profundos sobre o significado e função do meu psiquiatra na minha vida.
Eu sei, há assuntos mais agradáveis e leves para se reflectir enquanto se lê o Público de ontem com a torrada a escorrer manteiga para cima do café acabadinho de coar... sim, coar porque o meu café está isento de tecnologias que lhe roubam toda a carga simbólica de que ele se deve revestir (acredito que é nas nossas memórias que os castanhos e aromáticos grãos conservam o seu sabor).

Não há volta a dar ao assunto, hoje é mesmo psiquiatria e, qual epifania dominical, ocorreu-me que um psiquiatra mais não é do que o espelho do nosso velho roupeiro que não queremos ver, para o qual nos recusamos olhar ao longo da nossa vida (porque nos faz mais baixas ou mais gordas ou mais macilentas).

Nós, comuns mortais, não passamos de um gigantesco roupeiro e cabe ao psiquiatra a dura tarefa de fazer a limpeza a fundo, a cada mudança de estação.
A nossa vida vai ficando dentro do roupeiro e, em vez de fazermos uma limpeza pontual mas rigorosa, vamos atirando lá para dentro o vestido que não serve, o colar que agora é feio, os sapatos vergonhosamente gastos mas que nunca o estão na hora de deitar fora... e aquela carteira? É impensável viver sem ela!.

E assim seguimos pela vida fora, passando pelo exterior e muito rapidamente um paninho, "mais ou menos quente", que nos permita ter a casa "arrumadinha", não vão aparecer visitas de repente.
Nós não sabemos mas o psiquiatra sabe que, quando o roupeiro enche, enche desmesuradamente, havendo sérios riscos de sucumbir ao peso que acumulamos ao longo dos anos.

São caixas e mais caixas que vamos acumulando furiosamente, arquivando, com ou sem datas (que importa?) a caixa dos corações partidos, a caixa das frustrações, a caixa das vergonhas, a caixa da infância, a caixa dos pais, a caixa dos filhos, a caixa da auto-estima, a caixa do auto-conhecimento, a caixa do medo e, usualmente, a maior, mais pesada e mais feia é caixa da culpa, adquirida das mais variadas maneiras ao longo dos anos.

Deste modo, rapidamente, somos conhecidos como heróis, guerreiros, corajosos, capazes de enfrentar qualquer contenda ou desgraça com pontaria certeira e perseverança infindável. E, sim, seguimos a nossa vida com o nariz bem empinado certos de que este é o caminho certo para se estar de bem com a vida, aliás, "se tivermos mais que fazer, não temos tempo para traumas nem para psiquiatras"!


E, um dia, acontece connosco, o roupeiro cede ao peso, espalhando as caixas e respectivos conteúdos pelo chão da nossa vida.

É nesta altura que começamos a ter comportamentos de defesa e pode aparecer o TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo), por exemplo, fazendo com que os talheres fiquem organizados por tamanhos, a roupa arrumada por cores, as almofadas colocadas na ordem devida, os vasos separados milimétricamente, os documentos arquivados por ordem alfabética até ao último papel, todos os dias, vezes sem conta, apenas porque nos recusamos a aceitar que as circunstâncias fugiram do nosso controlo, ou seja, se o armário caiu e ficou tudo desarrumado, estabelece-se a ordem das coisas imutáveis, inertes e possíveis.
A depressão e a ansiedade colam-se a nós como uma segunda pele obrigando-nos a procurar o fácil oásis das medicações miraculosas.


Em segundos passamos a questionar a nossa capacidade de recomeçar, deitando fora o que não presta, o peso-morto, e organizando com sincera aceitação o conteúdo de cada caixa, prometendo a nós próprios manter essa organização. Não só manter como procurar, rever, arejar, estimar e, acima de tudo, saber viver com cada uma delas.

E é precisamente nesta fase que precisamos do nosso psiquiatra para que nos ajude a olhar a nossa carga com um olhar demarcado de emoções porque só assim conseguiremos ser honestos na sua arrumação.

Logicamente, o avançar da idade permite-nos alcançar uma serenidade outrora impossível e, naturalmente, somos empurrados para um difícil e doloroso processo de reconciliação connosco próprios. Este processo de auto-conhecimento e, posteriormente, enamoramento de nós pode ser feito a sós, com um grau de dificuldade elevado ou pode ser feito com o auxílio de um bom psiquiatra e umas boas sessões de psicoterapia, medicação ajustada ou terapias alternativas ou termas ou retiro espiritual, vale tudo desde consigamos alcançar o nosso objectivo.

Tic-tac. tic-tac, o relógio da vida não pára. Façamos de hoje o primeiro e melhor dia das nossas vidas, desta vez, recomeçando sem peso-morto. A nossa felicidade mora em nós e está à espera de ser libertada há tempo demais.

Obrigada, Dr. João e Dra. Isabel









segunda-feira, 23 de maio de 2016

BEATRIZ E AS BARRIGAS DE ALUGUER



"MÃE, mesmo em maiúsculas, palavra tão pequena para um significado tão grande. És a pessoa mais corajosa que eu conheço! Ultrapassaste e ultrapassas um monte de obstáculos, tudo sozinha, nunca deixando de ser a melhor mãe que alguém poderia ter.
A vida não tem sido a melhor para ti, no entanto, é raro o dia em que demonstras algum tipo de fraqueza ou tristeza.
És forte, determinada, optimista, esforçada, inteligente, trabalhadora, culta, protectora e tens um coração que vai daqui até à lua!
Gostava muito de poder tirar de ti tudo o que te provoca sofrimento, preferia mil vezes que fosse eu a passar por isso e peço desculpa se, muitas vezes, não sou a filha que mereces.
Só queria poder tornar-te eterna!

Sempre cuidaste de mim e, quando precisares, vou cuidar de ti.

És a minha Nº1, a minha heroína. E eu nunca vou deixar-te sozinha.

AMO-TE, MELHOR MÃE DO UNIVERSO!" 

Beatriz 
(carta escrita à mão, em papel, sem tecnologias envolvidas, entregue no Dia da Mãe)

É desnecessário dizer o quanto me encheu o coração ler esta carta que juntei a muitas que os meus filhos me foram escrevendo pela vida fora.

No entanto, não consegui deixar de reparar que o amor deles por mim (e o meu por eles) floresce a cada dia que passamos juntos e assim tem sido ao longo destes 20 e 23 anos das suas vidas. Curiosamente, em nenhuma destas cartas foi referido o tempo da gestação ou do parto, pois essa é uma memória que eles não têm.
E vem-me à ideia a história que eu lhes contava sobre o seu nascimento (até muito tarde, diga-se de passagem)... nessa história, eu e o pai deles íamos ao céu falar com Deus para escolher os nossos filhos. O anjo Gabriel aparecia com um grosso livro cheio de fotografias de bebés e nós escolhemos o Tiago primeiro e a Beatriz depois mas deixei sempre claro que eram ambos edições limitadas e exclusivas, escolhidas depois de aturada reflexão e demais deliciosos pormenores que se foram esbatendo no tempo. 

E se assim fosse, tê-los-ia amado menos? 

Claro que não, o amor chega depois, todos os dias da nossa vida.

E, rapidamente, foge-me o pensamento para um dos temas da agenda do nosso executivo governamental, a legislação/ legalização das "barrigas de aluguer".


Eu sei que fui abençoada com um sistema reprodutor saudável que me permitiu levar duas gravidezes a termo com os respectivos partos por via natural.


Também sei que a gravidez é uma fase da nossa vida em que tudo acontece literalmente à volta do nosso umbigo, por dentro e por fora... é inesquecível a primeira vez que ouvimos o coração do nosso bebé a bater... é inesquecível a primeira vez que sentimos os seus movimentos dentro do nosso ventre. 

É, inegavelmente, um período sagrado durante o qual o nosso corpo se transforma num templo de amor e de expectativas. 
Um verdadeiro milagre apenas concedido às mulheres, actualmente, com maior ou menor intervenção masculina.
Cedo ou tarde, a maioria das mulheres escuta com atenção o bater do seu relógio biológico e a maternidade torna-se um sonho recorrente a tornar realidade tão cedo quanto possível.

Para algumas de nós, contudo, tal realidade rapidamente se transforma em pesadelo, sendo inevitável a aceitação ou rejeição da ideia de que não poderemos concretizar esse sonho com base nas mais variadas explicações clínicas. Chegadas a este ponto e exploradas todas as técnicas de fertilização já ao dispor, resta a resignação ou a adopção. 


E é precisamente aqui que surge a questão de alugar uma barriga para transportar o óvulo da futura mãe fertilizado com o espermatozóide do futuro pai durante os mágicos 9 meses mas, por favor, não tenhamos ilusões... é realmente maravilhosa a gravidez quando esta acontece no nosso próprio ventre... as alterações hormonais, o crescimento do peito, o aumento gradual da barriga, o sono, os desejos, os enjôos, só fazem sentido se os sentirmos. 
Na minha cabeça, esta ideia faz tanto sentido como pedir à minha irmã para comer uma barra de chocolate por mim porque eu sou alérgica!?!


Concebo que cada mulher seja livre para fazer o que desejar com o seu próprio corpo mas sem perder de vista a ideia de que essa liberdade tem como limite a identidade dos nossos filhos. Será que é mesmo necessário lembrar que, após um compromisso assumido com a maternidade/ paternidade, não nos é permitido tratar os nossos filhos doutra forma que não seja com o respeito que devemos a qualquer outro ser humano? São nossos filhos, não são o nosso prolongamento! E nada como a sábia definição de Saramago do que é um filho: 


“Filho é um ser que nos foi emprestado para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isso mesmo! Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é expor-se a todo o tipo de dor, principalmente o da incerteza de agir correctamente e do medo de perder algo tão amado. Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo.”

José  Saramago
 Independentemente de todas as questões morais associadas a este tema e que são muitas, o facto de qualquer mulher poder alegar "afecto" mas receber, indevida e ilegalmente, contrapartidas financeiras para o fazer (dando origem a mais uma economia de mercado paralelo) vai transformar a maternidade num produto cuja aquisição dependerá do estatuto económico ou do poder de compra/ aluguer de cada um, quiçá, com direito a benefícios fiscais. 
Por outro lado, estando o nosso país a enfrentar uma situação de grave carência económica (a necessidade aguça o "mau" engenho de cada um), não duvido nem por um segundo, que rapidamente se transformaria a maternidade num florescente nicho de mercado, com lojas e sucursais oferecendo barrigas escolhidas a dedo, com direito a promoções, saldos e cupões de desconto!
Perdoem-me a ironia mas é tão fácil prever uma situação destas. Afinal, não andam os valores morais pelas ruas da amargura?

Voltando à Beatriz, apraz-me dizer que poderiam apresentar-me todas as provas inequívocas de que os meus filhos teriam sido fruto de um erro hospitalar, tendo sido trocados à nascença, que eu jamais trocaria um segundo destes anos passados com eles, por um filho biológico. Pasmem mas a gravidez representa uma parte ínfima no processo de maternidade!

Ser mãe é muito mais, ser mãe é criar, guiar, cuidar, estimar, consolar, educar, transmitindo-lhes os nossos melhores valores, recebendo deles as provas inequívocas do seu amor.
Parir é biológico, é animal e qualquer uma, boa ou má mãe, consegue fazê-lo, infelizmente, em certos casos. Para se ser mãe é que é preciso ter muita competência. E, se tiver competência de mãe, vai saber amar qualquer criança que entre na sua vida com o nome de "Filho". Se tiver competência de mãe, não vai querer que o seu bebé seja gerado por empréstimo numa estranha e confusa relação a três.
São tempos de grandes mudanças, franca evolução e devemos manter-nos abertos às novidades mas eu aposto na razoabilidade e no bom senso. Eu aposto no velho amor incondicional!




sábado, 21 de maio de 2016

ENAMORADA DE MIM!

No seguimento dos episódios anteriores da novela do meu descasamento, ocorreu-me hoje o seguinte:

Houvesse tal opção no Facebook e eu alegremente publicaria que estou "numa relação comigo mesma". Ao contrário do que possam pensar, este amor sempre foi por mim contrariado, cheio de altos e baixos, infelizmente, mais baixos do que altos.

Tenho-me acompanhado e sei que mal dou por mim, não me dando grande importância. Tudo o que digo ou faço afigura-se-me insuficiente ou medíocre, criando em mim grandes tormentas internas. No entanto, tenho procurado mais a minha companhia e tento conhecer-me o melhor possível, até porque desejo encontrar desesperadamente uma explicação para tudo aquilo que me destruiu ou não, principalmente, as escolhas, na sua maioria, más.

A partir de uma certa data, ainda por determinar, chamei para mim a responsabilidade de fazer os outros felizes, a responsabilidade de proteger, de amar incondicionalmente, de espalhar sem grandes critérios a minha enorme generosidade, esquecendo o mais importante de tudo e que, para mim, nunca passou de um chavão, cliché ou parte de um já muito ouvido discurso motivacional que é o facto de "nunca colocarmos na mão de terceiros a nossa felicidade".

Posto isto, acabei por me casar, divorciar-me, assumir uma união de facto, separar-me e casar-me outra vez (desta, era para sempre), estando a aguardar o divórcio depois de uma catástrofe emocional avassaladora.
Mas, há sempre um mas na vida, aquilo que parecia o fim, afinal transformou-se em recomeço. E como? - perguntam-me agora.

Imagine-se o seu pior inimigo...
Imagine-se tão inimigo que nem se deixa espaço para respirar...
Imagine-se tão inimigo que os seus ombros desaprendem a descontrair...
Imagine-se com ataques de pânico e ansiedade paralisantes...
Imagine-se em constante luta pelo controle da sua vida e dos que ama...
Imagine-se atingir os 50 anos e não ter a mais pequena ideia de como lidar consigo próprio, com as suas desconhecidas e recentes fragilidades, com uma cruel sensação de impotência...

Isto foi o que fiz a mim própria, anos a fio, com um sorriso bem afivelado na cara, a mesma máscara para todo o sofrimento, a utilizar a meu bel-prazer e nas mais variadas ocasiões...
Telemóvel transformado em prolongamento do braço e da alma, não fosse "o menino ter outra crise de epilepsia", ao longo de 23 anos, numa média de 1 ou 2 por semana, alerta silencioso e constante, dia e noite, ano após ano.
E a mamã e a irmã e o irmão (para sempre perdido para o álcool) e o pai e a família e os amigos e os amantes e os namorados. Quem julguei eu que era? Que soberba foi esta de achar que teria que representar Deus? De achar que o mundo iria ruir no dia em que eu não me apresentasse ao "trabalho" de me dar a quem me rodeava?

Acrescentem a esta hercúlea tarefa, o dia a dia de qualquer mulher que toma nas suas mãos a responsabilidade de trabalhar, ganhar dinheiro (pouco e muito), criar filhos, curar doenças, tratar da casa, ser enfermeira, gestora, educadora, advogada, confidente, esposa dedicada, amante competente e mais, muito mais... desentupi canos, fiz instalações eléctricas, usei o berbequim como se de um bastidor de bordados se tratasse, pintora de paredes, costureira, condutora exímia de carros, carrinhas, furgões e camiões. Não havia montanha que não subisse de bom grado e a minha arrogância ia tão longe que dizia com muito orgulho: "Não há nada que não faça e, quanto mais difícil for a tarefa, mais empenho lhe dedico". Rapidamente me viciei em adrenalina, remédio mágico para quem se recusa a ouvir a si próprio.



De repente, começo a falhar, física e psicologicamente, o corpo dá sinais inequívocos de exaustão, transformada em doença auto-imune que mais não é do que o organismo a iniciar um ataque, mais ou menos, brutal contra si mesmo. E não foi isso que eu fiz sempre? A única diferença é a inversão da agressão: dantes agredia-me de fora para dentro executando ordens minhas, agora, é de dentro para fora e sem a minha intervenção.

O que me resta? A minha clarividência, a minha inteligência e a minha aceitação. Afinal, sempre terei que ir ao fundo de mim própria, aos esconderijos secretos onde fui acumulando as mágoas num gigantesco arquivo morto e, como se de um computador se tratasse, optimizar o meu desempenho através da eliminação de programas, pastas e ficheiros não utilizados há tempo demais.

Gostar de mim é a palavra-chave, aceitar-me, aceitar o que fiz e o que deixei fazer... abraçar o meu passado para viver em paz o presente e ganhar esperança no futuro. A fórmula parece simples, assim eu consiga pô-la em prática.
Fundamental neste processo, foi esta derradeira estocada do homem que pensei meu marido. A estupefacção, a decepção e o choque, fizeram com que se tornasse muito agradável este contacto comigo própria e entendo ser uma relação para manter a longo termo.
Sou uma pessoa agradável, bem educada, com formação, inteligente, simpática e charmosa (isto obedece a mentalização para me habituar a ser cortês comigo própria - não é presunção, juro!)
O aspecto exterior ainda mantém algum encanto, com a vantagem de aceitar incondicionalmente o passar dos anos e, por isso, julgo estarem reunidas as condições para dar início a esta relação comigo própria!





E, como não poderia faltar um dos meus comentários jocosos, imagino que estejam a perguntar-se:
"Está tudo muito bem, um discurso muito bem elaborado, cheio de boas intenções mas o sexo, que é bom, como é?"
E eu respondo de forma brilhante e iluminada, dando origem a um sentido adágio popular:

Mais vale um amigo a pilhas do que um inimigo a pila! (pardon my french)

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