quinta-feira, 1 de junho de 2017

ALICE NO PAÍS DO VICODIN



Qual Alice no País das Maravilhas, tenho vivido, desde 2014, num constante rodopio terapêutico para controlar a dor crónica que me acompanha incansável e diariamente, com algumas "nuances" na sua intensidade (dói menos, dói mais mas dói sempre). Tenho sincera e autêntica dificuldade em responder à pergunta repetida, consulta após consulta, sobre o grau de intensidade da dor, calculada com uma "régua" numerada de 1 a 10. A médica não esconde um sorriso quando eu digo que o máximo que sinto é um 7 ou um 8 porque reservo o 9 e o 10 para as dores que desconheço.

Com o intuito de dar aos pacientes que sofrem de dor crónica algum conforto e alívio, os médicos prescrevem drogas, naturalmente.

E é de drogas que venho falar:

Nunca achei que a liberalização das drogas leves tivesse um efeito significativo na luta contra o tráfico de estupefacientes pois diz-me o bom senso e alguma experiência que existe uma tendência, perigosamente elevada, para escalar esse caminho em direcção a um falso mas muito desejado incremento do prazer. Na maioria dos casos (e a minha geração foi muito fértil nesses acontecimentos), a escalada faz-se num ápice, seguindo-se uma descida aos infernos do vício de uma forma ainda mais veloz.

Tentei, ao longo da minha vida, exceptuando na adolescência (período durante o qual a experimentação era quase obrigatória), manter-me do lado acordado e sem anestesia das barricadas da vida. E consegui, até 2014!!!

Um solavanco na minha saúde fez com que passasse a depender do consumo diário de opióides, em tudo iguais ao infame Vicodin, vício do não menos infame Dr. House. Tento fazer a medicação com um olho aberto e outro fechado. O olho aberto mantém-me alerta para detectar qualquer sintoma, por mínimo que seja, de dependência ou adição. O olho fechado mantém-se fechado porque nem quer saber... desde que a dor diminua!


No entanto, é com grande apreensão que assisto à evolução desta doença, às modificações em mim operadas e ao aumento gradual das doses diárias. Concluí que esta é uma questão de matemática traumática:

Comecei em 2014 a tomar 100 mg./ dia. Em 2017 estou a tomar 300 mg./ dia. Se o tecto máximo são os 500 mg. diários, restam-me 2 anos antes que a medicação deixe de fazer efeito. Lá no horizonte, espreitam os pensos de morfina, os quais evitarei enquanto for humanamente possível.

E é neste momento que se torna essencial a discussão em torno das aplicações terapêuticas da Cannabis, dos prós e contras da sua utilização e do estudo dos seus efeitos adversos ou secundários. 

Tranquiliza-me muito saber que o nosso governo se vai pronunciar a favor da sua despenalização, mais que não seja para não me aturarem aqui no meu blogue, página que, bem sei, será exaustivamente visitada por todos os elementos da Assembleia da República, sem excepção!!!

Pesa ainda mais o facto de vivermos numa imensa nuvem de hipocrisia que permite uma exploração de Cannabis em solo nacional para posterior comercialização no Reino Unido, sob a forma de medicamento a utilizar no alívio de diversas enfermidades, com a devida autorização do Infarmed e direito a uma respeitável publicação no Diário da República.

No entanto, se eu der voz ao meu direito de escolha, terei que ir à Corunha, munida de uma receita arrancada a um qualquer médico espanhol para comprar o Sativex, o Nabilone ou o Marinol, medicamentos legalmente comercializados em diversos países europeus (incluindo na vizinha Espanha, desde 2010) ou nos EUA (onde estão devidamente regulados e aprovados pela FDA) arriscando-me a que, no meu regresso a Portugal, as autoridades me detenham e eu passe a ser "portadora involuntária" de vergonhoso cadastro criminal.

Em qualquer destes países, os estudos comprovam o alívio da dor crónica, melhorias na esclerose múltipla, doença de Parkinson ou epilepsia, actuam também no alívio de náuseas, incluindo as provocadas pela quimioterapia. Também se reconhecem aplicações no combate à obesidade, certos tipos de cancro, doenças inflamatórias e dermatológicas. 
Trata-se de uma espécie de poção mágica com as mais diversas aplicações e, talvez por esse motivo, as grandes empresas farmacêuticas não tenham interesse económico em explorar as potencialidades desta planta pois um só medicamento poderia vir a substituir um sem número de outros.

No que a mim diz respeito, entre usar medicamentos derivados da planta do ópio em comprimidos ("heroína em blister", segundo um farmacêutico com quem falei) ou usar medicamentos derivados da planta da cannabis com os níveis de THC (composto psicoactivo ou "moca") substancialmente reduzidos, optaria certamente pela segunda. Até porque os primeiros provocam náuseas e têm índices de dependência muito elevados pois a tolerância medicamentosa obriga a constantes ajustes, tal como verifico actualmente.

Senhores legisladores: 

Vou ficar a aguardar pela decisão mais coerente mas aviso desde já que não aguento estar sentada muito tempo! E adoro, adoro, adoro a agricultura! :)








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