segunda-feira, 26 de outubro de 2015

HOMEM A SÉRIO NÃO BATE EM MULHER!



A violência doméstica é inegavelmente um dos maiores flagelos sociais e, ao mesmo tempo, uma das situações com o cariz mais democrático que conheço: é transversal a todas as classes sociais, a todos os estatutos académicos, a todas as idades e a todos os sexos, constituindo as mulheres, os idosos e as crianças o alvo preferencial, provavelmente, por uma questão meramente genética pois são estruturalmente o elo mais fraco da raça humana. 
Hoje, quero falar de e para as mulheres!                                      
Há um sem número de motivos que levam os homens a agredir uma mulher mas aquele que considero mais relevante é o medo, o homem agride porque tem medo. Medo de perder, medo de ser mais fraco, medo de ser inferior, medo de ouvir, medo de não compreender, medo de não controlar. E, qual animal acossado, ataca aquela que vê como sua pertença, mais frágil e mais fácil de dominar. Existem diversos tipos de agressores: os inteligentes, os manipuladores, os chantagistas, os sádicos, os psicopatas, os sociopatas, os obsessivos, os atenciosos, os viscosos e muitos mais...





Por seu turno, as mulheres, não tendo um denominador comum no seu comportamento, estatuto, grau académico ou classe social, pactuam com os agressores com base no amor que sentem ou pensam que sentem, no amor que ele lhes dedica ou pensam que ele lhes dedica, na existência de filhos, na ausência de autonomia financeira, no medo da solidão, no receio da opinião pública e familiar e outros.
Vou evitar referir-me aos indivíduos com patologias psiquiátricas ou alterações comportamentais clinicamente comprovadas para evitar alongar-me em demasia.

Vou falar de mim, de ti, da vizinha, da tia, da amiga, da prima, da conhecida, de todas e de nenhuma em particular. 

É minha convicção de que o nosso primeiro erro acontece quando decidimos não acreditar na luz vermelha que se acende em nós quando temos um pressentimento. O pressentimento surge como um aviso do que vai suceder e nós sabemos, oh, se sabemos que algo está mal: uma frase, um tom de voz, um olhar... mas o amor, o amor continua parcialmente cego, dividido entre o que vê, o que não vê e o que não quer ver. E acabamos por entrar naquela relação certas de que foi uma impressão, que ele estava mal disposto e que, posteriormente, vamos acabar por conseguir mudá-los. Ledo engano que tão cedo se desfaz...

Eu lembro-me, como se fosse hoje, da primeira bofetada que apanhei, não dos meus pais que nunca me bateram mas do meu marido.
Essa lembrança ainda hoje me traz um sorriso ao rosto porque me aviva a memória do dia em que decidi romper com a tortura, sub-reptícia e silenciosa, com que convivia há anos, 18 anos, mais precisamente. Foi a minha manhã de Abril, o meu grito de Ipiranga...

Levantei-me, fui direita à cozinha e preparei o meu pequeno-almoço sem preparar o do meu marido, pecado primeiro. Fui presenteada com mais uma de muitas séries de impropérios, entre os quais, o que eu mais odiava: "puta", "puta", "puta". 
Aquela palavra ecoou na minha cabeça mais vezes do que o costume e eu pensei: "EU NÃO MEREÇO! EU NÃO MEREÇO!". 
Respondi com uma serenidade e uma coragem até então desconhecidas: "Vai chamar puta à grandessíssima puta que te pariu!". 
Não sei se acabei a frase, sei sim, que aconteceu o que eu temia há tanto tempo. Eu sabia que no primeiro dia que ousasse responder-lhe, este seria o resultado (eu sabia!). 

A violência com que a mão de um homem com quase o dobro do meu tamanho me bateu fez com que, por momentos, eu deixasse de ouvir e nem sei descrever o tamanho da dor porque se misturou rapidamente com a vergonha, com o terror e com a coragem inusitada de quem já nada tem a perder, nem a própria vida. 
Consegui libertar-me dele, enquanto me agarrava pelos cabelos, e fugi para a casa de vizinhos com uma caneca de leite na mão que não larguei, vá-se lá saber porquê!
Nos dias, meses que se seguiram não voltei atrás com os meus intentos e todos os dias lhe dizia que não mais queria estar casada com ele. Naturalmente, àquela agressão, seguiram-se outras... a Besta tinha sido libertada com a minha insubordinação.

Sabe bem o que diz quem afirma que um murro dói mas passa, com o tempo a memória da dor desaparece. No entanto, a marca psicológica é mais profunda e enterra-se em nós como um ferrão e nem meses, anos de terapia conseguiram reparar os estragos provocados por frases como: "Sabes lá o que estás a dizer!", "Cala-te e não me envergonhes!", "És mesmo igual à merda da tua família!", "Se não fosse eu a ficar contigo, andavas para aí aos caídos sem ninguém te pegar!", "Quando saíres, vai decente como as mulheres da minha família!"... Todas estas frases e muitas outras poderiam e foram ditas em público para aumentar a humilhação. 

Sob a protecção das telhas de nossa casa e sem que ninguém soubesse, estas frases eram acompanhadas de pedidos de relatórios diários sobre o meu dia, passagem da roupa na frente dele para ver se estava "decente" (nada de decotes, nada de calças justas),tentar chegar a ele para lhe dar um beijo porque ele não se baixava, não falar com homens, evitar certas amigas, evitar a família, meticulosa calendarização da vida íntima com direito a sanções e castigos e demais exigências que eu tentava cumprir por pensar que um casamento era assim e assim fiz silêncio à minha volta.



A única maneira que encontrei para me perdoar a mim própria foi constatar que eu tinha apenas 16 anos quando o conheci. Ele com 22, conseguiu manipular-me, controlar-me de tal maneira que me destruiu antes que eu tivesse tempo de me construir. O resto da minha vida passei-a à procura de mim no meio dos destroços e não tem sido fácil porque a vida real toma conta de nós e temos os filhos, a família, as relações, as ralações, o trabalho e pouco sobra para tratar de nós, menos ainda quando fomos "programadas" para nunca o fazer.

Que fique registado e de forma bem clara que uma mulher vítima de violência doméstica, quer física, quer psicológica, ou ambas, virá a sofrer de danos psicológicos irreversíveis que poderão tomar as mais diversas formas (mas este é outro assunto extenso que não pretendo abordar agora).

Não há segredos, nem conselhos, nem fórmulas que nos ajudem a livrar de um homem assim. Cada caso é um caso e eu penso que é sempre necessário um elemento detonador, no meu caso foram os filhos, o meu instinto de protecção foi maior do que o medo que sentia.

O verdadeiro poder de um homem sem escrúpulos, de um homem que não gosta de ninguém a não ser de si próprio, reside nas palavras, no momento em que as aplica, na linguagem gestual, na violência implícita nos seus actos, deixando no ar a certeza de que se abrirmos a boca para o contrariar, as coisas vão correr muito mal. O seu poder reside na nossa enorme fraqueza, principalmente, quando somos superiores física ou intelectualmente e nos recusamos a demonstrá-lo. O seu poder reside também no nosso silêncio pleno de cumplicidade.

Porque não começares por aqui? Por quebrar o silêncio? Por falares com outras mulheres? Procurar ajuda, manter viva a ideia de que há vida depois destes homens e que ainda podemos ser felizes!

Por favor, fala com alguém, não deixes que o teu nome venha acabar em mais uma notícia de rodapé dos noticiários iguais às que se seguem:
  • "Diz a APAV que "mais de 90% das pessoas ignora os sinais de violência que se passam com vizinhos, amigos ou familiares."



  • " ...a vítima era antiga companheira do arguido, tendo este usado "uma arma de fogo" e disparado à "queima-roupa" nas costas daquela, depois de a esperar nas escadas."

  • “Não conformado com o fim da relação que mantinha com a sua companheira, que terminara por iniciativa desta...  sacou de uma pistola de calibre 6,35 milímetros e atingiu com um tiro a prima da companheira,  matando-a”. A ex-companheira foi depois atingida com 2 tiros tendo ficado com lesões “muito graves que a impedem de comunicar verbalmente e de se movimentar sozinha”.
  • "Mulher assassinada à facada e paulada pelo companheiro".
  • "Mulher encontrada morta com o rosto desfigurado. O assassino era seu companheiro." 
  • "Mulher e bebé de 2 anos queimados, com maçarico de construção civil, pelo marido e pai das crianças."
  • "Em 2014 morreram 42 mulheres. Em média, 4 por mês, 1 por semana. A maioria dos crimes foi cometida com recurso a uma faca. Nestes casos, o agressor demonstra a raiva que sente em relação à sua vítima, bem como a intenção de a fazer sofrer. E essa raiva, essa fúria, esse descontrolo, por parte do agressor, é visível em muitas destas mortes, dado o elevado número de golpes desferidos. São numerosos os casos em que as mulheres são atingidas por sete, oito, nove ou mais facadas, existindo um caso em que a vítima sofreu 17 facadas."  
  • "A arma de fogo foi o segundo meio mais usado. Nos casos restantes, os homicidas escolheram o afogamento, a asfixia, o estrangulamento, o espancamento e o fogo."
  • "Na última década, morreram 398 mulheres em Portugal, vítimas de violência doméstica, cerca de 40 mulheres por ano." 
  • "NADA MUDOU, apesar das alterações legais, da maior especialização e formação de todos os técnicos e instituições envolvidas. As causas são várias predominando o ciúme doentio, os problemas de dependências de álcool e/ou estupefacientes e situações de puro machismo, onde o agressor entende que a companheira é um objecto cujo proprietário é ele e que, em circunstância alguma, tem a possibilidade de por sua vontade sair daquela relação."
  • "Os agressores são principalmente homens, com baixa capacidade de resiliência, baixa capacidade de reacção a situações de frustração, apenas obtendo alívio com a morte da vítima. Este tipo de agressor não teme as consequências penais dos seus actos, afirmando por norma que não és minha não és de mais ninguém.


QUEBRA O CICLO DE VIOLÊNCIA QUEBRANDO O SILÊNCIO!

Eu chamo-me Cristina e fui vítima de violência doméstica. Dou o meu testemunho para vos ajudar...



terça-feira, 13 de outubro de 2015

O PREÇO DO AMOR








"Estou a pensar em ti e ainda não consigo entender o que te levou a fazer-me tal pergunta... Quanto vai custar? Quanto vai custar?

Num ápice, revi todos os momentos que vivemos juntos nos últimos anos e não há soma, subtracção ou equação que resulte num número, num valor exacto.

Como se faz o câmbio do amor para euros?
Não sabes que os sentimentos não têm preço?
Não sabes que não é possível comprar a mulher que fui para ti?
Não sabes o que é amar de verdade, desinteressadamente?

Fecho os olhos e vejo-nos a dançar na rua, na noite. Vejo-me a rir à gargalhada, o que sabias fazer tão bem. Recordo o teu olhar quando fui dormir a tua casa pela primeira vez. Seria capaz de jurar que vi o amor nos teus olhos. A noite atravessada por suspiros, sem dormir... e mais uma noite... e mais uma noite!





E as tardes de verão, um verão de calor infernal em que mergulhávamos no corpo um do outro e já nem sabíamos quem era quem, deixando deslizar os corpos cansados, lado a lado.

Ergueste um pedestal onde me colocaste, prestaste a vassalagem à rainha que era eu no teu coração. Aio dos meus quereres, sempre a postos para me dar prazer, alegria, conforto. Como poderia eu não te amar? Quase ficavas inocente nos meus braços, sorriso de criança, corpo de homem, força de gigante.
Já nos sabíamos tão bem, as palavras eram desnecessárias. Quando eu olhava para ti, os teus olhos já adivinhavam o que me seguia na alma e eu era a mulher mais bonita do universo e eu era a única mulher no universo.

Acreditei, bebi cada palavra tua e julguei meus os teus sentimentos. Deixei de saber onde eu acabava e começavas tu.
Acreditei ser chegada a minha hora, eras tu quem eu tinha procurado toda a vida, era eu quem tu tinhas procurado toda a vida.
Agora sei, descobri da pior forma, que te inventei, criei-te à imagem do meu ideal e, erro meu, esqueci-me que eras só uma pessoa e as pessoas enganam, mentem, traem.
E eu vi mas não queria ver. Com infantilidade, escondi os teus e os meus erros bem lá no fundo, onde guardo tudo o que me dói e eu me recuso a olhar. Inocência tardia, candura deslocada!





Aflita, desesperada, esperei, esperei que tu voltasses do Inferno para onde tinhas partido sem mim, sem saber se virias, se ainda serias o mesmo mas esperei e juro, juro que tinha fé, muita fé que tu ias conseguir sair sozinho.
Os primeiros passos foram tímidos, incertos da direcção a seguir e olhamo-nos como dois estranhos. Procurei incessantemente um sinal de ti mas o teu olhar inocente tinha desaparecido e já não rias.
Deixaste de me olhar, deixaste de me ver e, aos poucos, deixei de existir.
Bomba atómica emocional, arrasaste tudo o que havia à tua volta, até as flores morriam e os pássaros se calavam à tua passagem.
Criaste o caos, trouxeste escuridão e levaste a minha alegria, a minha saúde, o meu coração deixando-o partido em pedaços tão pequeninos que jamais se irão unir para amar.
Há muito se quebrou a aliança que ambos ostentávamos orgulhosamente, certos de que éramos amados como mais ninguém.

Quanto vai custar?

A ti, não sei mas a mim está a custar... muito!





sábado, 10 de outubro de 2015

SOMOS FILHOS DO MESMO DEUS

Não era minha intenção retomar este assunto, até porque, as posições extremadas que tenho visto ultimamente, causam-me um sério desconforto. No entanto, acho que me devo posicionar em relação aos refugiados sírios.
E, a posicionar-me, terei que me solidarizar com todos eles. Antes de me pronunciar, procurei toda a informação disponível sobre o conflito. 
Muito resumidamente, em Março de 2011, houve uma insurreição contra o regime totalitário de Bashar Al-Assad. A partir desse dia, as tropas governamentais tomaram conta das principais cidades e estradas mais importantes do país, utilizando a fome como arma contra os civis. 
Entretanto, as forças opositoras do governo enfrentam, desde 2014, os ataques dos jihadistas islâmicos em busca da supremacia do Estado Islâmico.


Contabilidade feita, os números chegam 
avassaladoramente dramáticos:
- Cerca de 4,5 milhões de deslocados, dentro do país;
- Cerca de 2,4 milhões de pessoas refugiadas em países vizinhos, alvos de racismo e discriminação;
- Cerca de 5,5 milhões de crianças têm as suas vidas devastadas pela guerra;
- Cerca de 1 milhão de pessoas presas em áreas sitiadas onde a ajuda humanitária não consegue chegar;
- Cerca de 1,200 milhões de pessoas vivem refugiadas, morando em locais insalubres, onde a comida e a água potável têm um uso restrito;
- O número de refugiados sírios, no Líbano, na Jordânia, no Iraque, na Turquia e Egipto deverá chegar aos 4,1 milhões de pessoas. Outras 9,3 milhões precisarão de ajuda até ao final de 2015.

Extrapolados ou não, estes números são representativos da violência que está presente no dia a dia destas pessoas. Pessoas, como qualquer um de nós, que acordam um dia no meio de um conflito que não desejam e, cuja necessidade básica a partir dessa data, passa a ser a sobrevivência, sua e dos seus.

Afigura-se-me bastante improvável que, em pleno cenário de guerra, destruição, morte e horror, este povo tenha sangue frio para urdir um plano maléfico com o intuito de  invadir a Europa e "muçulmanizar-nos" de uma vez por todas, nem que seja para cumprir o descrito no maléfico mapa islâmico da Europa (no qual Portugal é um alvo apetecível).

Não consegui deixar de reparar que o ódio tão criticado nas facções radicais do estado islâmico seja o mesmo que senti nas mais diversas publicações e, pior, ante a "invasão dos mouros", ressurge do Inferno, de onde nunca devia ter saído, o nacionalismo. Este sim, é um verdadeiro perigo cujo único propósito é incitar ao ódio entre os povos e às limpezas étnicas.









Como é possível olhar para estas imagens que nos mostram onde a inocência se perde no dia a dia destas crianças e não sentir a urgência de as retirar de tão dantesco cenário? E conseguem imaginar os nossos filhos a matar para não morrer? Sim, os nossos filhos cujo maior drama é não poder comprar o último modelo das sapatilhas da  Nike ou ter que lidar com o mau feitio do professor de Matemática. 

Migrantes? Migrantes? Os migrantes têm opção, escolhem viver noutro país pelas mais variadas razões. Estes são sobreviventes, refugiados, despojados, expatriados, exilados, proscritos da sua pátria. Não escolheram a guerra, não escolheram a destruição, o caos e a morte. Simplesmente, um dia,  as suas vidas deixaram de fazer sentido. Tudo o que conheceram até então, ficou reduzido a escombros. 
É tempo de pegar na família e tentar fugir, ainda que lhes custe a própria vida, fugir do Inferno que tudo lhes roubou. Sem casa, sem roupas, sem documentos, sem dignidade, sem passado, sem presente e sem futuro, sujeitos à ignomínia de quem vive à custa da desgraça alheia, navegam em direcção à Europa, destino que se lhes afigura paradisíaco. 
Para trás ficam a sua amada pátria, as suas raízes, às quais, estou certa, a maioria sonha voltar, viagem de vinda com o coração posto no regresso. 
Como povo católico, piedoso e crente que nos orgulhamos de ser, só nos resta receber estas pessoas condignamente. Deixemos de lado os temores, os ódios, as más vontades, as facções políticas ou religiosas. Façamos jus aos ensinamentos da Santa Madre Igreja, fazer o bem sem olhar a quem, dividir o pouco que temos com quem tem menos ainda.
Acabadas as formalidades, deixemos este povo dormir, usufruir do luxo de fechar os olhos sem medo, há já tanto tempo esquecido. Recebamos estas crianças, tornadas adultas na dor tão precocemente. Vamos dar-lhes o lar possível, colo, comida e, sobretudo, um local seguro onde possam restaurar os seus corpos, a sua dignidade, a sua fé, o seu sossego. Talvez consigam um dia esquecer o monte de escombros que ficou para trás das suas costas. Talvez possam sonhar com o regresso. Talvez possam sonhar com a paz.



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